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Em Quais Cabelos Nós, Mulheres Negras, Moramos?

  • Artigo de Naira Gomes
  • 11 de out. de 2016
  • 2 min de leitura

Primeiramente, fora Temer! Segundamente, para pensar sobre a relação entre cabelo e cultura nestas 35 linhas, vamos lembrar que os corpos nascem marcados por tecnologias discursivas e que estas são apropriadas e utilizadas para validar formas viáveis e não viáveis de sujeitos. Entre esses dois polos, opera-se uma conta – mediada pelo que vou preferir chamar de estética – que elege e pretere indivíduos. Aqui é importante percebermos duas coisas, a primeira é que nessa conta, estão inclusos diversos elementos da estética negra como nariz, boca, cor da pele, mas que destacamos o cabelo e que essa é operada num contexto historicamente marcado por uma assimetria de poder.


A organização socioeconômica do Brasil foi capaz de gerar uma estrutura marcada por desigualdades, em que a diferença gerou inferiorização, exclusão e também conseguiu empreender nos sujeitos marcados pela diferença a ilusão da possibilidade de diluição do teor estigmatizador destas. Nesse sentido, o racismo elaborou a subalternização dos nossos corpos, forjou a feiura destes, teorizou e formulou sobre incapacidades intelectuais e afetivas, ao passo que também inventou que a nós cabia a destrutiva tarefa do apagamento ou minimização das características que nos fariam sujeitos não viáveis.


O racismo elegeu para o lugar de beleza e de feminilidade os cabelos lisos e compridos, e relegou aos diversos tipos de cabelos não lisos e que raramente alcançam a performance de cobrir os ombros – hoje politicamente chamados de crespos – o lugar de feios e inadequados. Tratou de criar teorias, nomenclaturas e justificativas para validação dessa tese e ardilosamente também nos “ofereceu” a possibilidade de mudança/adequação por meio de diversos instrumentos para a modificação dos nossos cabelos.


Neste ponto, precisamos destacar que há um conteúdo naturalizador e normatizador na cultura racial do Brasil e um conteúdo coercitivo na norma.Ou seja, normatizou-se um paradigma de beleza, naturalizou-se que nele não coubesse a maior parte da nossa população e estabeleceu-se uma coerção para adequação à norma. Dessa forma, dificilmente mulheres negras moram em cabelos escolhidos, já que muitas não conhecem as possibilidades destes; nem moram em cabelos que foram suas primeiras opções, já que quase sempre os submetemos a intervenções estruturais. Não estou tratando do protagonismo sobre nossos corpos que faz parte das nossas agendas como mulheres negras, estou escrevendo sobre o que o contexto descrito acima fomenta: a negação de nosso direito de sermos inteiras, a imposição dos padrões que alimentam as dores físicas e simbólicas das negações de nossos corpos e o peso marcadamente conflitivo das nossas elaborações identitárias.


Assim, em vias de finalização desta breve reflexão que mais serve para visitarmos algumas discussões, o alisamento dos nossos cabelos aparece como parte das relações partidas que o racismo nos impõe, como se pudesse, sobre nossos corpos, inscrever dolorosamente estigmas e nos incumbir, por meio da autonegação, a diluição destes.


Naira Gomes – Antropóloga, pesquisadora e uma das articuladoras da Marcha do Empoderamento Crespo – que reuniu, em 2015, mais de 4 mil pessoas em Salvador, em defesa da estética negra no combate ao racismo.






 
 
 

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