2ª MARCHA DO EMPODERAMENTO CRESPO
- Dira Verdiano
- 16 de nov. de 2016
- 4 min de leitura

MARCHA DO EMPODERAMENTO CRESPO
No último dia 13 de novembro a Praça do Campo Grande foi tomado por uma profusão de cores, estilos e muita estética pós diaspórica, a 2ª Marcha do Empoderamento Crespo – Na luta pelo fim do extermínio da juventude negra, que reuniu 3 mil pessoas numa caminhada que foi a até a Praça Castro Alves, começou a tomar corpo no início da tarde com a performance de Nadja Santos uma das organizadoras da Marcha, conclamando todas as mulheres numa saudação: Sou Negra!!! Seguindo-se a isto declamações de poesia que versaram sobre temas como racismo, empoderamento e estética.

Nadja Santos - Comissão de Organização
Segundo Naira Gomes a realização desta marcha tem como objetivo estarmos juntos e estamos em rede e nos fortalecermos contar o racismo até porque a estética é o principal alvo do racismo para nos estigmatizar. Ainda segundo Naira, durante todo o ano um grupo de 9 mulheres realiza diversos encontros terapêuticos, oficinas e rodas de conversa para debater o tema em escolas, ONG’s e eventos com a temática racial, em novembro com a Marcha acontece como o ponto de culminância de todo este trabalho tanto pelo simbolismo do mês como para visibilizar o trabalho realizado ao longo de todo o ano.

Naira Gomes – Antropóloga e Coordenadora da Marcha
O início da caminhada foi marcado pelo som dos tambores de diversas organizações como a Marcha Mundial de Mulheres, A Banda Didá e o canto de Matilde Charles cantando o Tributo a Martin Luther King que conclamou a todas e todos a lutar pela paz, fazendo alusão ao extermínio da juventude negra. Dados do Mapa da Violência no Brasil observam que na década compreendida entre 2002-2012, houve um decréscimo de 32,3% na morte de jovens brancos ao passo que os jovens negros vitimados aumentaram 32,4%, é dizer que para cada branco morto, morrem 2,7 negros.
Para todos os lados o olhar de um observador um pouco mais atento podia captar não apenas os cabelos crespos em diversos penteados e cores que iam do loiro dourado passando pelo rosa, azul e roxo. A autoestima destes jovens era palpável, além dos cabelos o visual era complementado por brincos, óculos e roupas que visivelmente reforçam a estética afrodescendente.

Participantes da Marcha
O momento é ímpar para negros e negras, a marcha serve de inspiração para outros lugares além de Salvador e mais, não se trata de modismo, exprime a representatividade reforçando a auto estima e o fortalecimento da história negra, diz Dailza Araújo, educadora e mestranda em estudos étnicos e africanos. Ainda segundo ela, o mercado estético está atendendo a demanda do público negro, pois não se trata de moda nem tendência, trata-se da conscientização e da representatividade que a estética traz e que foi plantada ao longo do tempo e explodiu com maior força para esta geração e que deixará frutos para as próximas.

Dailza Araújo - Mestranda em Estudos Étnicos e Africanos
Esta geração formada prioritariamente por jovens entre os 13 e os 20 anos se autodomina como “Geração Tombamento” e se caracteriza pela originalidade nas roupas e nos cabelos e agrega, em grade parte, estudantes. Minha família sempre foi resistente em aceitar meu cabelo natural por ser coisa de mulher, diz Marcelo Sales, estudante de 17 anos. Ter o cabelo natural é muito bom pra mim, pois eu tenho me aceitado mais, reitera Pablo Fernando, também estudante de 19 anos, que se sentem acolhidos e representados pela Marcha.

Pablo Fernando - estudante

Marcelo Sales - estudante
As crianças merecem um destaque à parte, meninos e meninas que assumem seu cabelo natural e já não sofrem por isso, geralmente alavancados pelos pais e mães que incentivam e elogiam suas crias no intento de reforçar a autoestima desde cedo. Gosto do meu cabelo e na escola ninguém estranha, tenho coleguinhas com cabelo black power também, apesar de não ter nenhum professor negro, diz João de 6 anos que estuda em escola particular no município de Camaçari. Já Júlia de 8 anos diz que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito por conta do seu cabelo crespo e gosta de usá-lo solto com laços e assessórios.

Júlia, estudante
Os pequenos parecem não ter sido contaminados com o preconceito seja pela tenra idade ou por fazer parte de um grupo onde o cabelo crespo e a valorização da cultura e da estética negra são naturais. Nos dias de hoje a valorização almejada tanto pela marcha como pelos diversos movimentos sociais ligados à questão racial não é percebida pela população feminina que procura valorizar a sua estética racial. Na procura por emprego ou no dia a dia são várias as manifestações sutis ou não que procuram moldar os traços negroides, geralmente as falas são feitas no sentido de sugestão para “arrumar o cabelo”.
Alisar o cabelo muitas vezes perpassa pela possibilidade de estar empregado ou não, Alana Priscila, 21 anos, estudante de museologia e estagiária do Museu de Arte Sacra da UFBA, relata que antes deste estágio foi rejeitada por algumas empresas por ostentar uma cabeleira volumosa, crespa e tingida de lilás. Mesmo com tantos desafios não se deixou dominar pelos “nãos” e manteve a firmeza em não sucumbir ao alisamento.
A família muitas vezes é o primeiro núcleo a reforçar o preconceito da sociedade, é a primeira barreira que será transposta, depois dela fica bem mais fácil derrubar as outras tantas com a qual se debaterá ao longo da vida. Quando isso não é possível Larissa Cristina que aos 14 anos já tentou usar os cabelos naturais mas por não se identificar com esta estética optou por utilizar química para alisar os cabelos. Não se trata de moda, é meu gosto mesmo, diz ela que foi até a marcha para encontrar-se com alguns amigos e estava acompanhada da mãe que alisa os cabelos também.
O caminho foi aberto mas há muito ainda a se fazer no sentido de empoderar homens e mulheres que valorizam sua ancestralidade, sua cor, sua estética, ter a cor da noite na pele e reafirmá-la cotidianamente nos cabelos, nas roupas e no corpo, requer coragem.
Créditos das fotos: Valdíria Verdiano e Jaqueline Lima
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